3 de outubro de 2018

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O ministro do Supremo Luiz Fux resolveu censurar a entrevista de Lula alegando que a excepcionalidade da situação justificaria a restrição da liberdade de imprensa pela Justiça. Para o bom entendedor, ele admitiu que o caso Lula é um caso de exceção, tomando também iniciativa excepcional (uma liminar que não estava autorizado a dar) depois que o juiz Ricardo Lewandowski decidiu liberar a entrevista respeitando a universalidade da lei: a liberdade de imprensa é assegurada pela Constituição e inúmeros detentos já falaram com jornalistas.

Depois de insinuar que Lula poderia “desinformar” o povo, Fux declarou que é preciso tomar “decisões que são aquelas que o povo espera do Judiciário”, o que não significa dizer “que tenhamos que fazer pesquisa de opinião pública.” É provável que Fux se considere um intérprete excepcionalmente iluminado da opinião pública, pois também garantiu que, para discutir com ele, “é preciso ter pós-graduação em Harvard”.

Fux, no entanto, é desinformado. Ele não sabe que professores de Harvard e das mais renomadas instituições de ensino do mundo assinaram manifesto contra as arbitrariedades da justiça brasileira no caso Lula. E que o caso chegou a ser chamado de kafkiano por eles.

O manifesto foi endossado por juristas mundialmente famosos, tais como Karl Klare, Friedrich Müller, António José Avelãs Nunes e Jonathan Simon. Eminentes pesquisadores do poder e da perseguição judicial (Lawfare), como John Comaroff, Eve Darian-Smith, Tamar Herzog e Elizabeth Mertz, também são apoiadores.

Correndo o risco de chatear o leitor, lembro que assinaram também intelectuais de renome global como Tariq Ali, Robert Brenner, Wendy Brown, Ha-Joon Chang, Noam Chomsky, Angela Davis, Wendy Goldman, David Harvey, Axel Honneth, Fredric R. Jameson, Leonardo Padura, Carole Pateman, Thomas Piketty, Boaventura de Sousa Santos e Slavoj Žižek.

Para não falar de sociólogos que já trataram com rigor das relações entre lei e sociedade, como Fred Block, Mark Blyth, Michael Burawoy, Peter Evans, Neil Fligstein, Marion Fourcade, Leo Panitch, Frances Fox Piven, Michael Heinrich, Michael Löwy, Laura Nader, Erik Olin Wright, Dylan Riley, Ananya Roy, Wolfgang Streeck, Göran Therborn, Michael J. Watts e Suzi Weissman.

Se seguíssemos o critério de Fux, teríamos que reconhecer que o próprio Fux precisa estudar muito mais para discutir com quem considera que o sistema judiciário brasileiro tornou Lula um perseguido político e, assim, sua detenção mancha a democracia brasileira.

É claro que não devemos seguir o critério de Fux, pois o critério de Fux mal disfarça o autoritarismo herdado de uma elite bacharelesca que, no século XIX, pregava o liberalismo e ao mesmo tempo justificava a escravidão.

É simplesmente lamentável que um juiz que sugere que o povo não pode ser “desinformado” por uma entrevista tome decisões, ao mesmo tempo, em nome do povo, mesmo que a decisão desrespeite a Constituição e a liberdade de imprensa, e que o próprio juiz assegure que não precisa sequer “fazer pesquisa de opinião pública” para saber qual é a vontade do povo.

Pobre povo que precisa ser tutelado por quem não foi votado para ser representante e muito menos intérprete iluminado de sua opinião. Pobre do povo “conduzido” por juízes que não seguem a universalidade da lei e arrogam o monopólio da opinião pública para decidir em seu lugar.

 

Carta Capital