22 de janeiro de 2020
Foto: Gustavo Bezerra

Imagine como a história americana se desenrolaria se, na década de 1970, a opinião pública e as autoridades estivessem mais preocupadas em atacar e investigar Carl Bernstein e Bob Woodward do que em procurar a verdade sobre o escândalo Watergate. Se o Congresso e o FBI decidissem investigar os repórteres do Post e suas fontes, e não as irregularidades do Partido Republicano.

Isso é análogo ao que está acontecendo hoje no Brasil, onde o jornalista Glenn Greenwald está sendo perseguido por suas atividades jornalísticas.

Greenwald foi acusado na terça-feira de “crimes cibernéticos” por reportar, no ano passado, mensagens de celular vazadas que mostravam violações graves em uma força-tarefa para investigar corrupção, conhecida como Operação Lava Jato. Greenwald é um alvo desde que seu site de notícias, The Intercept Brasil, começou a publicar reportagens com base nas mensagens vazadas, que foram fornecidas por uma fonte secreta e protegida.

O The Intercept demonstrou haver um conluio entre o juiz e os procuradores responsáveis pelo caso. O juiz, Sergio Moro, é o atual ministro da Justiça do presidente Jair Bolsonaro – sua recompensa por partidarizar as investigações de corrupção.

As ações de Moro e dos promotores serviram para preparar o terreno para o meu julgamento injusto. A investigação de Greenwald foi fundamental para demonstrar como a Operação Lava Jato violou meus direitos legais e humanos.

Agora eles estão indo atrás da imprensa. O promotor federal que acusou Greenwald violou uma ordem da Suprema Corte brasileira, que protegia a liberdade de imprensa de Greenwald.

Abusos como este não são novos no Brasil. O impeachment politicamente motivado da presidente Dilma Rousseff em 2016 foi uma clara violação da Constituição e o prenúncio de uma manipulação generalizada do sistema judiciário contra seus adversários políticos.

As mensagens secretas reveladas pelo The Intercept Brasil confirmaram que Moro e os promotores haviam procurado advogados, ocultado evidências e direcionado depoimentos para falsificar acusações e condenações. Moro e promotores vazaram ilegalmente um telefonema de Dilma para manipular a opinião pública. As mensagens mostram que eles mentiram para a Suprema Corte sobre esses fatos – e continuam mentindo para o país hoje.

Com poucas exceções, a mídia brasileira compactuou com essa condutas. A cobertura da poderosa rede TV Globo concentra-se no inquérito da Polícia Federal para criminalizar as fontes e o próprio jornalista. Esse comportamento ridículo da mídia mudou o curso da história e contribuiu para a eleição de Bolsonaro, um líder de direita que, com essa acusação mais recente, mudou com sucesso a conversa do fato de que, até recentemente, ele tinha um promotor do nazismo como secretário de cultura.

Nos últimos meses eu lutei para limpar o meu nome após um grave erro judicial – mas minha principal preocupação são os danos a longo prazo que esta gestão está provocando em nosso país. As pessoas podem concordar com ou discordar de um político ou partido, mas um sistema de justiça idôneo e liberdade de imprensa não deveriam nem ser objeto para debates.

Greenwald é testemunha, repórter e agora também a mais recente vítima de um processo que está enfraquecendo a democracia brasileira.

Luiz Inácio Lula da Silva é ex-presidente do Brasil.

The Washington Post | Tradução DCM e Comitê Internacional Lula Livre.