14 de setembro de 2019
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Ninguém havia preparado a sociedade brasileira para lidar com a mescla de sensações ao ver o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na prisão há um ano e meio. E mais ainda se cada dia que passa tudo indica que impedir sua candidatura presidencial era a culminação da manobra iniciada com o processo político pelo qual passou Dilma Rousseff em 2016. Ao menos isso é o que evidenciam as centenas de mensagens privadas entre o ex-juiz federal Sergio Moro e a Procuradoria, publicadas desde junho pelo The Intercept Brasil.

Para atualizar a atualidade da situação de Lula da Silva, o eldiario.es conversou com o advogado e ex-deputado federal Wadih Damous, um dos membros da equipe de defesa do ex-presidente. “Não tenho a menor dúvida de que qualquer pessoa que tenha conhecimentos jurídicos mínimos sabe que Moro é parcial. De fato, sabe disso há muito tempo”, afirma o letrado. “Agora, estas revelações demonstram aquilo que já sabíamos”.

As conversações do agora ministro de Justiça de Bolsonaro seguem expondo uma manipulação perfeitamente orquestrada, com uma delicada lista de anormalidades e irregularidades que remontam à tomada de Moro dos papéis de juiz e acusação ao mesmo tempo, organizando inclusive operações policiais; o vazamento aos veículos de imprensa de uma seleção de áudios descontextualizados de grampos telefônicos; escárnios dos procuradores sobre o funeral da esposa de Lula; até o apelido com o qual se referiam ao ex-presidente: “nove” – perdeu o dedo em um acidente laboral.

Gilmar Mendes, um dos magistrados que compõe o Tribunal Supremo, chegou a admitir que o descaramento dos vazamentos publicados “é uma grande vergonha” e que o tribunal havia sido “cúmplice desta gente ordinária”. A defesa de Lula pressiona o Supremo Tribunal para que, aproveitando-se este estado de ânimo de Mende, anule a condenação e ponha fim à reclusão do ex-presidente em uma cela da Superintendência da Polícia Federal de Curitiba.

“Se o Supremo julga o habeas corpus somente tendo como base o Direito, o código de processo penal e na Constituição, vai anular todos os processos contra o presidente Lula, cuja investigação originou-se em Curitiba”, reflete Damous. “Porque já está mais que demonstrado que os procuradores não eram objetivos, não eram imparciais, como tampouco o era o então juiz Sergio Moro: nunca teve objetividade nem imparcialidade nos processos do presidente Lula”. Os acontecimentos dos últimos tempos, no entanto, nublam o cenário. “Temos que ver quem vai decidir, se o direito ou a política. Se é o direito que decide, Lula será libertado. Se é a política que decide, só Deus sabe”.

Outro exemplo entre as novidades que a defesa de Lula utiliza é uma recente sentença do Supremo Tribunal, que anulou a condenação de Sergio Moro a Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras, devido ao fato de as alegações finais do delator que o implicaram em ato de corrupção coincidiram temporalmente com as alegações finais da própria defesa de Bendine. Trata-se da primeira grande derrota de uma sentença de Moro em máxima instância. “O Supremo Tribunal, neste caso concreto, entende que a defesa tem a última palavra. Isto emana diretamente da Constituição”, explica Damous. “Por que parece ser algo extraordinário? Porque o processo penal que implica políticos aqui no Brasil está politizado”.

Uma centena de sentenças similares, entre elas a de Lula da Silva, estão, a partir de agora, no olho do furacão por este agravo ao direito de defesa. Os advogados do ex-presidente exploraram também esta via. “Tratando-se do atual Sistema de Justiça brasileiro, não podemos nos considerar otimistas em nenhuma questão”, confessa Wadih Damous. “Se vivêssemos em um Estado Democrático de Direito aqui no Brasil, com um mínimo de normalidade, diria que esta decisão suspenderia as sentenças de outros imputados que estivessem na mesma situação. Contudo, como o processo está politizado, temo que as próximas decisões estejam contaminadas pela política”. Levando em conta que tudo o que diz respeito ao ex-presidente Lula é interpretado de “maneira tendenciosa”, Damous define seu estado de ânimo como de um “otimismo discreto”. A experiência o afasta da euforia.

O domingo que quase mudou a história do Brasil
Damous tem sido um dos defensores mais fiéis de Lula da Silva desde o surgimento dos conflitos judiciais do ex-mandatário. O advogado foi uma das peças-chave da ação que quase mudou o destino do Brasil. Acontenceu em um domingo, em agosto de 2018, em plena pré-campanha eleitoral, quando o juiz de segunda instância Rogério Favreto decretou a libertação do ex-presidente em duas ocasiões e, no entanto, não foi cumprida.

“Poderia ter alterado a história se o direito tivesse prevalecido”, lamenta-se Damous, um dos emissários que apresentou a petição de habeas corpus que ocasionou tudo. “Naquele dia ocorreu o que vem ocorrendo desde o nascimento da Operação Lava Jato: em relação ao ex-presidente Lula, apenas uma decisão é possível, a condenatória. A absolvição está proibida.” As interferências, na opinião do advogado e ex-deputado federal, são numerosas: “Os militares se manifestam, os juízes se manifestam à margem da magistratura, a Rede Globo se manifesta”.

Damous define o que ocorreu naquele dia como simplesmente “o não-cumprimento de uma ordem judicial”. E com a participação decisiva do então juiz Sergio Moro, que estava de férias, “e orientava o delegado de plantão da Polícia Federal de Curitiba a não cumprir a decisão, até que finalmente o presidente do Tribunal Regional Federal a anulou”. Este conjunto de ilegalidades “não permitiu que o Brasil tivesse um rumo diferente do que observamos agora, com um psicopata no governo”.

Seguindo o padrão dos últimos meses, cada vez que o grupo de trabalho da Operação Lava Jato sofre derrotas judiciais ou considera estar muito exposto nos meios de comunicação, a reação não tarda a chegar. Desta vez, chegou na forma de uma nova acusação contra Lula, mediante um suposto vínculo irregular de um de seus irmãos, José Ferreira da Silva (Frei Chico), com a empresa Odebrecht.

O advogado Cristiano Zanin Martins é outra peça fundamental na defesa de Lula da Silva. Consultado também pelo El Diario, Zanin Martins reconhece ter muitas expectativas em relação aos dois habeas corpus acionados no Supremo recentemente. O advogado destaca as ânsias políticas de Moro, “tanto que assumiu um dos principais cargos do governo atual, eleito apenas porque Lula foi impedido de participar”. O atual ministro de Justiça praticou, na sua opinião, “lawfare contra Lula”, através do “uso perverso das leis e procedimentos jurídicos para fins de perseguição política”. Ademais, a Procuradoria, completa Zanin Martins, atuou “orientada pelo ódio ou por critérios políticos, infringindo as leis e as garantias fundamentais”.

El Diario