28 de outubro de 2020
Foto: Ricardo Stuckert

Metalúrgico, líder sindical, fundador do maior partido de esquerda do país, primeiro presidente oriundo da classe trabalhadora, “campeão mundial” na luta contra a fome. Há 75 anos, vinha ao mundo Luiz Inácio Lula da Silva, um filho do Brasil ao qual ninguém pode ser indiferente.

“Quem nasceu em Pernambuco e não morreu de fome até os cinco anos de idade, não se curva mais a nada”, costuma dizer Lula, o sétimo filho de Aristides Inácio da Silva e Eurídice Ferreira de Melo. O local exato de nascimento é Caetés (PE), em 27 de outubro de 1945, mas o registro só foi feito sete anos depois, em São Paulo.

Do Nordeste ao Sudeste, foram 13 dias de pau-de-arara. Lula cruzou 2,5 mil km com a família para reencontrar o pai, que havia migrado em busca de melhores condições de vida.

A viagem é um emblema da trajetória política do ex-presidente. De cidade em cidade, ombro a ombro com trabalhadores urbanos e rurais, enfrentando todo tipo de dificuldade para construir um futuro digno, sem perder de vista suas raízes.

Início da vida política
Ao contrário dos pais, Lula teve a chance de se alfabetizar – sempre conciliando estudos e trabalho no litoral paulista. Vendia laranjas, tirava lenha, capturava mariscos e caranguejos. Trabalhou em uma tinturaria, foi engraxate e auxiliar de escritório, até se formar torneiro mecânico pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).

Em 1964, ano do golpe civil-militar no Brasil, Lula perdeu o dedo mínimo da mão esquerda após um acidente de trabalho em uma siderúrgica que fabricava parafusos. Quatro anos depois, filiou-se ao Sindicato de Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema – por influência do irmão mais velho, Frei Chico –, e já nos primeiros meses foi eleito para compor a diretoria.

Naquela época, conheceu a viúva Marisa Letícia Rocco Casa, inspetora em um colégio estadual. Os dois se casaram em 1973 e permaneceram unidos até a morte dela, em decorrência de um acidente vascular cerebral (AVC) em 2017.

Com 30 anos, o operário pernambucano já era conhecido por seu carisma e capacidade de comunicação. Eleito presidente do sindicato em 1975, liderou greves no ABC paulista durante a ditadura até o início dos anos 1980, foi preso por 31 dias e incluído na Lei de Segurança Nacional.

Não havia mais volta: Lula estava mergulhado na política. A criação do Partido dos Trabalhadores (PT), em 1980, “juntou as pontas” de sua história familiar, no campo, e sua trajetória profissional, na cidade, abrindo caminho para disputas muito além do chão de fábrica.

Insistência e consagração
Após a participação na campanha “Diretas Já” e o fim da ditadura civil-militar, em 1985, Lula foi eleito deputado federal por São Paulo e colaborou nos debates que resultaram na Constituição Federal de 1988.

Derrotado nas eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998, percorreu o Brasil de ponta a ponta, acumulou experiência e adotou um tom conciliatório com setores empresariais, sem abrir mão do compromisso de enfrentar a pobreza.

“A esperança venceu o medo” nas eleições de 2002, inaugurando um ciclo de 14 anos do PT no governo federal.

Lula é considerado um dos responsáveis por tirar o Brasil do Mapa da Fome, construiu mais universidades federais que qualquer outro presidente, aproximou o país de uma realidade de “pleno emprego” e garantiu aumento real de salário mínimo em todos os anos de seu governo.

Do ponto de vista internacional, avançou em projetos de integração regional sem a tutela dos Estados Unidos e manteve diálogo com chefes de Estado de todos os espectros políticos.

Com o programa Bolsa Família – que nem seus adversários ousaram extinguir –, o ex-presidente tornou-se sinônimo de combate à fome e à miséria e incluiu milhões de famílias brasileiras na esfera do consumo. Com mais de 80% de aprovação ao final do segundo mandato, ajudou a eleger Dilma Rousseff (PT) como sucessora em 2010.

Nas eleições de 2018, dois anos após o golpe contra Dilma e depois de vencer um câncer de média agressividade na laringe, Lula manifestou desejo de voltar à Presidência. Ele liderava a disputa em todos os cenários até ser preso após condenação em segunda instância no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).

Perseguição e perdas
Desde que se tornou um personagem político relevante no cenário nacional, Lula convive com perseguições.

Na ditadura, deixou o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) para participar do velório da mãe, carinhosamente chamada de Dona Lindu. Quase 40 anos depois, preso sem provas na Lava Jato, o ex-presidente foi impedido de velar o corpo do irmão Vavá, e compareceu sob forte esquema de segurança ao funeral do neto Arthur, de sete anos.

Na última semana, Lula virou réu pela quarta vez na operação Lava Jato. Em todas as ações fora de Curitiba (PR), ele já foi absolvido. O conjunto de processos contra o petista é reconhecido por juristas de várias partes do mundo como exemplo de lawfare, ou seja, “guerra jurídica” com fins políticos.

Lula está solto desde o dia 8 de novembro de 2019, após o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecer a ilegalidade das prisões antes do trânsito em julgado, ou seja, enquanto a condenação não é definitiva e há possibilidade de recursos.

Reconhecimento
Sem nunca ter iniciado um curso em uma instituição de ensino superior, Lula é doutor honoris causa por 35 universidades.

Viúvo de Marisa Letícia, ele vive em São Bernardo do Campo (SP) com a companheira Rosângela da Silva, que conheceu meses antes da prisão. Dos últimos três aniversários, este é o primeiro em que Lula comemora fora da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.

Mesmo silenciado pela mídia comercial, o petista continua relevante. Durante 580 dias, milhares de pessoas passaram pela Vigília Lula Livre, manifestaram solidariedade e mostraram ao mundo que sua prisão era injusta.

Nas eleições de 2018, a chamada transferência de votos para o candidato e ex-ministro Fernando Haddad (PT) chocou aqueles que duvidavam da influência do ex-presidente. Este ano, mais uma vez, segundo o Datafolha em São Paulo, Lula é o “cabo eleitoral” com maior potencial nas eleições municipais, com menos rejeição que Jair Bolsonaro (sem partido) e o governador João Doria (PSDB).

Impedido de se candidatar, o pernambucano de Caetés não esconde o desejo de voltar a percorrer o Brasil com suas caravanas – a última foi em 2018, na região Sul.

Brasil de Fato