Lula, preso político
No sábado 7 o juiz Sergio Moro realizou seu último ato espetacular ao prender o ex-presidente Lula. Foi o dia D da Operação Lava Jato. Consumou-se a farsa judicial, marcada por uma condenação sem provas, um processo repleto de irregularidades e o flagrante desrespeito da maioria do Supremo Tribunal Federal à Constituição, no que tange à prisão sem trânsito em julgado.
O processo do triplex era, de longe, o mais frágil de todos os movidos contra Lula, ao ponto de fazer lembrar O Processo, de Franz Kafka. Mas era o único capaz de inviabilizar sua candidatura, dados os prazos judiciais.
Foi uma condenação sob encomenda, com viés casuístico e eleitoral. Manteve-se a aparência do rito judicial, em alguns momentos nem isso, mas as cartas estavam marcadas. Visivelmente, Moro e os trigêmeos do TRF4 tinham pronto o juízo condenatório antes mesmo de qualquer audiência. A defesa não era escutada, apenas tolerada ritualmente. Lula é, portanto, um preso político.
Por essa razão, os dias de resistência no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo ganharam uma conotação histórica. Um capítulo a mais numa história bem conhecida, um déjà-vu da conjuntura que levou ao suicídio de Getúlio Vargas e à derrubada de Jango.
Uma vez mais o Brasil diante de sua disjuntiva eterna: ante uma mobilização popular de resistência, por Lula, pela democracia e por um horizonte de consolidação de direitos de todos, a faca afiada e arbitrária de Moro, que tudo pode. A faca odiosa da hipocrisia do novo paladino da moral da casa-grande. Daquele que vive em apartamento próprio, e confortável, mas recebe seu auxílio-moradia como “jeitinho” para atualizar um salário exclusivo a menos de 1% dos brasileiros.
Diante de um quadro tão flagrante de afronta à Constituição e aos direitos de Lula a um juízo justo e imparcial, o aspecto mais funesto do ponto de vista jurídico se revelou com o apequenamento do Supremo às permanentes chantagens da Rede Globo e às ameaças por parte de uma corporação militar, historicamente impune no nosso País. A mesma Rede Globo que, recordemos, no primeiro dia da ditadura de 1964, noticiou: “Ressurge a democracia no Brasil”.
No caso dos militares, a situação é ainda mais preocupante. Não por se tratar da enésima bravata anacrônica e corporativista, recorrentes nas últimas décadas, de algum general de pijama. Desta vez, atentando diretamente contra o próprio código disciplinar das Forças Armadas, quem se colocou politicamente foi o próprio comandante do Exército Brasileiro, o general Eduardo Villas Bôas. O que deveria ser tratado como uma questão de Estado, para o golpista Michel Temer e seu ministro da Defesa tratou-se de mera questão de liberdade de expressão.
O efeito mais deletério dessa espiral antidemocrática e fascista seria revelado, porém, no seio da sociedade brasileira, com uma escalada de ódio, sectarismo e intolerância. A intervenção militar no Rio de Janeiro seria sua expressão institucional. Os ataques à Caravana de Lula, a coroação social de acosso e censura experimentados nos últimos meses.
Lembremos das exposições culturais fechadas por razões ideológicas, com manifestos episódios de agressões físicas e intolerância, como aqueles que sucederam recentemente em São Paulo nas palestras da filósofa americana Judith Butler. A maior e mais grave expressão foi o bárbaro assassinato da nossa companheira Marielle Franco, que, apesar de comover o País, passado um mês de sua morte, continuamos sem saber quem disparou os tiros.
A situação obriga a nós, democratas, a uma reflexão profunda. Se não for por disposição política, que seja então por uma questão de sobrevivência: contra o fascismo, contra a barbárie, não se brinca. Ou nos unimos ou morremos. Quantos mais de nós necessitam ser presos? Quantos mais de nós necessitam ser mortos?
Quem diria que 30 anos após a Constituição que selou o fim da ditadura no Brasil, ainda teríamos de continuar a assistir à morte de quem defende o que acredita e outros serem presos por decisão política.
Diante dessa situação, urge uma Frente Democrática e Antifascista. Nesses momentos nos quais a História se acelera, não existe espaço para dúvida. A besta do fascismo pôs suas garras para fora. É nosso dever nos unir para enfrentá-la, nas ruas e nas urnas.
Enfrentá-la por justiça no caso de Marielle Franco, pela liberdade de Lula… E pelo resgate da democracia e pelo respeito à vontade soberana do povo.
Guilherme Boulos é coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.
Publicado originalmente na Carta Capital.